quarta-feira, 15 de junho de 2011

A SERRA, EM TODO O SEU ESPLENDOR!

No rescaldo da 2ª Clássica da Serra da Estrela, a opinião dos seus participantes foi unânime: fantástica e exigentíssima jornada de ciclismo, num percurso de alta montanha espectacular!

A superlativa adjectivação poderá fazer desconfiar quem não esteve lá. Mas só esses... No espírito dos cerca de 30 ciclistas que se lançaram em conquista da Torre pela arrebatadora subida de Seia reinava, no final, a sensação cúmplice de que a experiência tinha sido realmente engrandecedora. E desde já a impor difícil tarefa de fazer tão bom (de preferência, melhor) em futuras edições.

O percurso concentrou os elogios. Dificilmente poderia ter sido produto de melhor escolha e, no meu caso pessoal, que o desconhecia, constituiu uma agradável surpresa. Revelou «a outra» Serra – e que lindíssima! Paisagens arrebatadoras, de cortar a respiração, tal como a sucessão de subidas... e não apenas a grandiosa final, de Seia à Torre. E não menos incríveis descidas.

Beneficiou, igualmente, de um lote de participantes de enormíssimo gabarito, selecção que parecia exclusiva a verdadeiros apaixonados pelo ciclismo, pela prova de superação física e anímica de muito exigente desafio de superar a distância de 113 km (+25 km da descida final para Covilhã) com 3000 metros de desnível acumulado. Bem mais que os 2600 m da edição do ano passado, que teve três subidas acima dos 10 km (Gonçalo, Penhas Douradas e Sabugueiro). O percurso foi realmente duro, como, de resto, se antevia...

E desde cedo que as dificuldades se depararam. Três quilómetros apenas para soltar as pernas e logo primeira subida, em Tortosendo, a cortar as vozes em animadas cavaqueiras madrugadoras. Logo ali houve necessidade de moderar os ímpetos dos mais fortes – com destaque para o Renato Hernandez e o Manso – porque ainda vinha longe a abertura da estrada ao andamento livre (mais uma vez decisão providencial para minorar desgastes).

Ao aperitivo seguiram-se, todavia, dois impasses devido a furos. O Ricardo da BH (que foi um dos azarados do dia, com o primeiro de três furos que o obrigaram a ficar a meio do caminho) e logo a seguir o Dario (que teve de abdicar da sua ultraleve Zipp carbónica com boyaux, pela gentilmente cedida roda chaimite sobressalente do Jorge «Contador», e cremalheira 23 como brinde envenenado).

Até Paúl rolou-se – ou melhor, ondulou-se -, mas logo o terreno voltou a empinar. E bem. Tal como o andamento à frente, deixando, no início, muita gente em níveis cardíacos desaconselháveis. Depois, também à frente se percebeu que não era propriamente um topo (3 km) e moderou-se o ritmo até Erada, onde se abririam definitivamente as válvulas...


Teixeira

Mal se entrou na primeira grande subida, Alto do Teixeira – que se previa longa (16 km) mas suave (2%) -, a inclinação forte causou surpresa e choque!, que a juntar à intensidade que se imprimiu à frente, provocou a primeira (e para muitos) definitiva selecção nos participantes. No meu caso, atingi nessa fase o pico cardíaco da volta, o que dá a perceber que a ambientação ao ar de montanha foi tudo menos tranquila. Por isso, tive necessidade me deixar ir ao sabor das sensações, rejeitando a tentação de (tentar) manter-me entre os primeiros. O pelotão partiu-se em quatro ainda nos troços mais íngremes (2/3 km), passando a três quando a pendente, afinal, suavizou, dando lugar a longo falso plano ascendente que permitia estabilizar velocidades acima dos 30 km/h e diferenças de cerca de 300/400 metros entre grupos. Entretanto, cerca de um terço dos participantes ficava definitivamente para trás. Muito cedo...

Então, o segundo grupo, em que me incluía, passou a perseguidor empenhado. Nada que se recomendasse – pelo contrário! Durante algum tempo, a ansiedade na recolagem levou a certo desnorte colectivo, que felizmente a presença de elementos mais experientes e conscienciosos evitou que tivesse piores consequências, no muito que ainda faltava percorrer! Neste particular, destaco o apoio do Vítor Mata-a-Velha à minha «causa», que fiz ouvir-se, alto e a bom som... e às tantas quase pensei perdida. Felizmente, após alguns quilómetros de um revezamento desgarrado, adequou-se o ritmo e minorou-se os desgastes... esquecendo-se, pelo menos, por instantes, o grupo da frente.

O final da subida mostrou um cenário de assombro, uma paisagem arrebatadora que nos engolia com tanto esplendor. A descida foi vertiginosa, a 60/70 km/h. Agora sem preocupações, a recuperar do esforço, como deve ser... Porque nova dificuldade se seguia imediatamente, sem um metro de estrada plana. A subida de Alvoco da Serra: 8 km a simpáticos 4,5%. Não é Montejunto, como parecia no papel - é menos duro, com uma inclinação regular, a permitir manter andamento moderado e boa cadência. Os grupos estavam à vista. Forçando era possível reagrupar. Não foi prioridade e ainda bem... – porque revelar-se-ia apenas um (re)encontro temporário...


Alvoco

Desde os primeiros metros da ascensão, o ritmo (no nosso grupo) foi bastante bom, bem partilhado, embora o mérito maior coubesse ao Capela. Aliás, não apenas no início, mas em quase toda a subida, o alverquense liderou o grupo que sensivelmente a meio da subida ganhou mais elementos, com a cedência de alguns elementos do primeiro e outros devido a paragem para abastecimento líquido numa fonte (referenciada). No nosso, alguns também o fizeram, com a factura do esforço de recolagem que tal implicou – Manso e o Vítor «Mata-a-Velha» foram os mais afectados, mas este, talvez, por ter demorado mais tempo na operação não voltou a reentrar – e com isso (e uma ligeira queda à entrada de Seia) prejudicou uma prestação que «tinha tudo» para ser ainda melhor, como se provou pela sua excelente subida para a Torre, em enorme recuperação que deixou todos os que assistiram rendidos aos seus dotes de trepador.

Passou-se Alvoco e desceu-se, então, para Loriga, e de voltou-se, de novo, a subir para S. Romão, onde nova (uff..) subida, felizmente curta, antecedeu Seia, o início para a grande ascensão da jornada: 28 km para a Torre.

Antes de terrível «abordagem» à subida, creio ser oportuno (tentar) descrever a composição dos grupos que se tinham formado ao longo do percurso. A saber (salvo algum lapso de memória):

1º grupo (ou ainda em posição intermédia, atrás deste): Renato Hernandez, Renato (Bucelas), Rui Torpes, Filipe Arraiolos e mais três ou quatro elementos, entre jovens do ASC Guimarães.

2ª grupo: Ricardo (eu), Capela, Jorge «Contador», Pedro (Kuota), Lopes (Carb Boom), Manso, Dario, Chico Aniceto, Sérgio e outro elemento dos 2640, e o Vieira (Trek). Em posição intermédio, o Vítor «Mata».

3º grupo: entre outros, o Pedro Fernandes, o Alexandre, o Carlos Gomes, um elemento dos Duros e outro camarada do Vítor. E mais dois ou três dos 2640 (ver crónica e comentários em ciclismo2640.blogspot.com)


Enfim, Seia

E que dureza! Rampas infernais logo a abrir, impondo desde logo a necessidade de «meter» o ritmo certo. No nosso grupo, rapidamente se definiram posições. O Lopes, que chegou a estar no grupo da frente, mostrou-se sempre inquieto, como se quisesse mas não pudesse estar na dianteira, e não se sentisse muito à-vontade atrás, por estar uns furos acima do nosso nível. De resto, foi isso que se provou, ao não demorar a meter passo rápido nas rampas à saída de Seia, destacando-se paulatinamente até à Torre, e permitindo apenas avistá-lo ao longe durante a maior parte da subida, sem nunca estarmos em condições de o alcançar.

Comigo, após a rudeza dos primeiros quilómetros, permaneciam o Pedro, da Kuota, o Capela e o Dario. Este último, em muito boa forma, acabou penalizado pelo lastro e o carreto 23 da já referida roda pesada cedida pelo Jorge e por abdicar ainda antes do Sabugueiro. Aqui, em descida que antecede mais 6 km com rampas acima dos 10%, os meus parceiros ainda pareciam rijos, mas o «choque» com as elevadas inclinações (não foi por falta de aviso...) afectou-os mais do que mim (aliás, foi a fase da subida em que me senti melhor), deixando-me definitivamente isolado a caminho da Torre. Agora numa luta em solitário contra a serra, a escassez de oxigénio com o aumento da altitude e a fadiga que se acumulava.

Até ao cume, ainda ultrapassei o Filipe Arraiolos e outro elemento (azul) que lutavam arduamente contra o cansaço, em nítida perda. E à chegada, lá estavam os (mais) poderosos do dia: os Renatos e o Torpes – de outro campeonato... Foram irresistíveis. Diz-se que o Renato, de Bucelas, esteve em forma no seu terreno, muito à-vontade na subida final, que partilhou com o seu homónimo Hernandez, cujas capacidades todas reconhecemos – e que temos (ou deveríamos ter...) o privilégio de beneficiar nalguns domingos em que há TGV. E o Rui Torpes, que se atrasou bastante algures para reabastecer (terá sido na tal fonte?), mas que, segundo os Renatos, fez uma subida arrasadora, chegando praticamente a morder os calcanhares destes. Não surpreende!


Homenagem

No entanto, não queria deixar de ressalvar o extraodinário desempenho de TODOS os participantes neste fantástico evento, verdadeiros bravos com quem tive o privilégio de partilhar esforços. A conquista da Torre é um prémio que faz esquecer todo o sofrimento, as agruras que fazem parte do ciclismo, e ainda mais em alta montanha. Reporto, uma vez mais, para a crónica e comentário no blog do ciclismo2604 – lá estão descritas experiências e grandes exemplos de superação. E não apenas estes que concluíram o exigentíssimo percurso, também os que, por motivos diversos, não conseguiram alcançar, pelos seus próprios meios, o ponto mais alto de Portugal Continental, a minha sincera homenagem.

Há duas imagens que ficam na retina: a do Chico Aniceto a chegar à Torre, tombando a escassos metros do topo, vítima de caimbras, depois de uma inesgotável prestação, muito ao seu estilo. Foi a prova de coragem e desapego perante as vissicitudes deste desporto magnígico que é o ciclismo. Outra, muito parecida, de um camarada que desconheço, que se atirou literalmente para o chão, após a chegada, contorcendo-se com dores. As mazelas saudáveis, e até saborosas, de um objectivo plenamente atingido! E ainda, a compreensível dor de alma do camarada Vítor «Mata», que chegou em «grande», mas com o gosto amargo de não ter arrancado no nosso grupo em Seia. Se o tivesse feito, teria sido, certamente para mim, uma roda a (tentar) seguir. Fez certamente uma das melhores subidas finais. A minha merecida homenagem.

Acabou a edição de 2011, já estamos a desejar 2012!